Revista Uma Canção

Gente é pra brilhar

E a revista Uma canção vai para a sua terceira edição, após as duas primeiras, com Juçara Marçal e Eduardo Gudin, respectivamente, nas capas. Foi uma longa jornada até aqui. Dessa vez com uma significativa mudança na equipe dos editores. Quem vem comigo agora é Paulo Almeida, editor e crítico, que vem atuando de modo firme na produção cultural em canção e música popular. Paulo acaba de lançar o seu selo editorial Acorde!, uma parceria vigorosa com a editora Hedra, em torno da publicação da produção crítica em canção e música popular.

A nova edição vem com uma longa e especialíssima entrevista. Uma conversa entre Caetano Veloso e Thiago Amud mediada pelo crítico Leonardo Lichote. Nela, o grande compositor, cantor e ensaísta brasileiro apresenta suas visões sobre o Brasil, a música popular, o direito das mulheres, as artes, o cinema novo, a religião, os neopentecostais, a questão racial, acompanhado pelas reflexões não menos instigantes de Thiago Amud, compositor e cantor carioca, uma dos mais bem armados intelectualmente entre os artistas da canção contemporânea brasileira.

Também os dois conversam sobre os seus últimos álbuns lançados. Caetano, com o impressionante Meu coco (2021), Amud, com o São (2021). Os dois artistas mostram muita afinidade e, em vários momentos, aproximam as suas senbilidades de modo sutil e, até mesmo, encantador. Lembram de Nelson Freire, Marília Mendonça, Letieres Leite. Desejam o Brasil do futuro; sonham com neosebastianismos muito particulares; explicitam formas musicais atravessando as canções; antecipam utopias sociais; inauguram a revolução Caraíba. Contam também histórias saborosas, como a do encontro de Caetano com Geraldo Alckmin, ou do incômodo de João Gordo com o ateísmo. Lichote cadencia, avança, faz volteios espertos, estimula falas, antevê os raciocínios e vai, assim, conduzindo muito bem o ótimo papo entre os dois grandes artistas.

Após a entrevista, para quem não conhece ainda a obra de Thiago Amud, apresentamos uma série de ensaios críticos sobre o artista, escritos por gente como José Miguel Wisnik, Eduardo Guerreiro Losso, Túlio Ceci Villaça, Pedro Cazes e Paulo Almeida. São visadas sobre álbuns distintos do artista, como São (2022) e De ponta a ponta tudo é praia-palma… (2014); sobre a estilística da sua forma de composição e os contextos mais gerais de construção da sua obra até aqui. Vale, aliás, também para quem conhece os seus álbuns e composições, como modo de perceber dimensões da obra que só a boa crítica consegue revelar.  

Por fim, terminamos com uma seleção de 15 livros publicados recentemente sobre canção e música popular. São indicações da revista que, como quaisquer seleções, podem correr o risco de deixar de fora obras não menos importantes. Mas é um risco que vale a pena. Estão ali livros como “Barulho de preto: rap e cultura negra nos Estados Unidos Contemporâneo” (2021); Black Rio nos anos 70: A grande África Soul (2022); Nara Leão: Nara -1964 (2022); Objeto não identificado – Caetano Veloso 80 anos (2022), entre outros. 

Assim, esperamos que seja de boa leitura esta terceira edição da revista “Uma canção”, com a longa conversa entre Caetano e Amud atravessando tempos, lugares, questões sociais, raciais, estéticas, formais, afetivas; os textos críticos sobre a obra, a persona artística e a forma de composição de Amud; os lançamentos e edições recentes de livros de crítica da canção e música popular. Isso tudo num momento em que o país faz mais uma das suas tortuosas travessias, mas segue vivo feito brasa.

Marcos Lacerda, sociólogo e crítico musical

Caetano Veloso e Thiago Amud: o Brasil como futuro do presente

entrevista feita por Leonardo Lichote em 10/12/2021

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